Vestígios do Tempo foi pauta do Blog Eixo Cult, editado por Maicon Rodrigo da cidade de Lucas do Rio Verde/MT. Maicon tomou conhecimento da produção do curta através da Internet e rapidamente fez contato comigo e disponibilizou um belo espaço para divulgação do Vestígios. E a entrevista já está disponível no blog, no endereço www.eixocult.blogspot.com. Vale a pena conferir também outras entrevistas realizadas pelo blog com artistas mato-grossenses.
Maicon é um agitador da cultura em Lucas do Rio Verde e dedica-se à difusão das produções em Mato Grosso é se firma como mais um importante espaço para os artistas e grupos tornarem pública as informações de seus trabalhos e pensamentos através na rede.
Abaixo disponibilizamos a íntegra da entrevista publicado no Eixo Cult.
1 - O que podemos esperar de Vestígios do Tempo?
Vestígios do Tempo é filme sobre a vida. Um filme onde a teimosia da vida revela seu vigor e crueldade, onde a desesperança pode se transformar em uma nova razão pra viver. É um filme onde o público verá pessoas com feridas do passado não cicatrizadas e que mesmo assim continuam suas trajetórias. São vestígios de num tempo passado. Um passado que, paradoxalmente, parece ser a única coisa que preenche o vazio interior da falta de perspectivas.
É um curta produzido com um cuidado especial na qualidade da imagem, som, preparação e atuação do atores, na arte, na montagem, enfim, um filme que apresenta momentos de estrema violência, não necessariamente física, e de grande ternura.
2-Qual foi o papel do “Teatro Experimental de Alta Floresta” na produção e realização do curta “Vestígios do Tempo”?
A base de toda a equipe foi composta pelos integrantes do Teatro Experimental de Alta Floresta (TEAF), o grupo tem uma história de mais de 20 anos de atuação na área teatral e na provocação de outras áreas e o movimento do audiovisual se firmou em Alta Floresta a partir da realização do I Festival de Cinema na Floresta, cuja produção foi do Teatro Experimental.
Meus devaneios que me levaram à idéia de fazer um curta inspirado nas histórias vividas por pessoas que se aventuram no garimpo, ignorando as várias formas de vida na Amazônia mato-grossense, foram tomados por todo o grupo. O que foi maravilhoso, me sinto orgulhoso por meus companheiros de grupo terem acreditado no projeto e ajudado a torná-lo realidade.
A seriedade do TEAF em seus trabalhos e o empenho individual das pessoas do grupo foi determinante para conseguirmos realizar Vestígios do Tempo. Inclusive dedico esse curta a todas as pessoas que participam do TEAF ou que tenham participando do grupo ao longo dessas duas décadas. O grupo deixou impressões muito bonitas na vida de muitas pessoas e essas pessoas também deixaram coisas maravilhosas para o grupo, elas cultivaram a terra, adubaram e semearam em terras onde só parecia ser possível tirar ouro, plantar capim para bois e extrair gigantescas árvores da mata. Hoje essas sementes estão dando bons frutos e nós que continuamos no grupo e também aqueles que estão chegando continuam cuidando dessa terra que continuará fértil para a cultura e a arte com seus sonhos, histórias e pessoas.
3 - O curta teve como locais de filmagens comunidades que abrigaram campos de garimpos na época da extração de minérios. Como foi o trabalho de filmagem nesses locais?
Eu tive a oportunidade de conviver com pessoas do garimpo quando tinha meus 14/16 anos de idade. Ouvi muitas histórias de garimpeiros, a maioria contadas por pessoas que estavam a anos na obcecada busca do ouro. Busca que sempre deixavam feridas nas matas, nos rios e nas pessoas. Eu gostava de ouvir as histórias daqueles homens que tinham apenas pseudônimo, poucos pertences e um futuro incerto. Eles apareciam e desapareciam muito rapidamente. O garimpo parece suscitar no homem os seus instintos mais primitivos e o torna nômade e com pouca ou nenhuma valorização às formas de vida.
Isso me influenciou muito na elaboração do roteiro, queria mostrar a efemeridade das alegrias, tristezas, esperanças e lembranças de homens e mulheres entorpecidos pelo sonho da riqueza. Quando estava escrevendo o roteiro o cenário da Pista do Cabeça (uma região formada por três vilas rurais distante 75 Km da cidade que têm origem no garimpo) foi se solidificando de tal maneira que não poderia filmar em outros lugares para filmar se não na comunidade e dentro da floresta.
Filmamos então na comunidade Pista Nova, um lugar onde se tem a sensação de que seus moradores foram deixados para trás quando o garimpo passou por lá. Onde se nota os vestígios dos tempos da euforia do ouro, da agitação das muitas mulheres e homens em todos os lugares. Hoje parece haver apenas vestígios de coisas, lugares e pessoas alimentadas pelo passado de riquezas efêmeras, de festas em bares e boates, do desbravamento e o respeito que o porte de armas, muitas vezes servientes aos donos de compra de ouro e terras, dava para alguns.
Hoje essas comunidades vivem uma realidade totalmente diferente, há poucas famílias que trabalham para grandes fazendas de pecuária, mas ainda trazem no seu comportamento o jeito de ser do garimpeiro. E era neste cenário que eu queria que minha história fosse contada, pegando emprestado o clima nostálgico, a falta de perspectivas e a história do lugar que está em todos os lugares e pessoas. Os atores conviveram e atuaram em casas, bares e igrejas juntamente com os moradores da vila (que fizeram a figuração). A comunidade se envolveu verdadeiramente com o processo de filmagens. Ficamos três dias na comunidade e a relação foi maravilhosa.
O último dia de filmagens foi numa reserva florestal onde há duas árvores gigantes que atraem vários turistas, uma samaúma (conhecida como árvore gigante da Amazônia) e um mogno. Ambas com estimativa de 500 anos e sobrevirem quase milagrosamente ao avanço do desmatamento, principalmente o mogno que tem alto valor no mercado madeireiro, mesmo tendo seu corte proibido. Um lugar que abriga milhares de vidas e se contrapõe aos buracos deixados pelo garimpo.
4 - Como esta a produção cultural de Alta Floresta?
Alta Floresta tem uma produção cultural bastante importante na região norte do Estado. Nós temos o Teatro Experimental caminhando para seus 22 anos com mais de 30 espetáculos, promove Seminário de Cultura e o Festival de Teatro da Amazônia Mato-grossense; temos dois Cineclubes (Cineclube Floresta e Cineclube Mastodonte), o Cineclube Floresta realiza o Festival de Cinema na Floresta; temos uma Associação de Cantores e Compositores, três festivais de música (Festival da Canção de Alta Floresta, Festival Rural de Alta Floresta, Convenção do Rock); dois grupos de dança, vários artistas plásticos (pintores, escultores); um artesanato que se destaca no Estado; uma rica produção literária (já foram publicados em Alta Floresta mais de 30 livros); um bem tombado como Patrimônio Público Municipal (um avião Douglas DC-3 que foi utilizado na 2ª Guerra e foi utilizado na abertura da cidade na década de 1970); temos o Museu de História Natural; e o Centro Cultural que abriga um Teatro (em fase de adequação de caixa cênica) de 250 lugares.
Mas ainda temos muito para melhorar, especialmente no que diz respeito a mostrar essas produções fora e avançar no processo de formação de nossos artistas que precisam se equilibrar entre a profissão de artista e outros trabalhos que garantem sua subsistência. Precisamos agitar mais a cultura em Alta Floresta.
5-O que você acha da produção cultural do Mato Grosso?
Mato Grosso precisa valorizar mais o setor cultural. É preciso entender que um Estado não pode ter apenas boi e soja. Temos gente também e a cultura é um importante elemento para nós seres humanos. Ainda é muito difícil fazer a produção cultural do Mato Grosso circular dentro do estado e mais ainda em outros estados. Acho que a produção mato-grossense ainda está muito concentrada na Capital e na cultura da baixada cuiabana. Mato Grosso tem gente de todos os lugares do Brasil, portanto, uma diversidade cultural muito grande e isso precisa ser mostrado. O Mato Grosso tem que se conhecer culturalmente e pra isso é preciso mais investimento, tanto dos Municípios, quanto no Estado e União.
6-O curta “Vestígios do Tempo” e a primeira grande produção cinematográfica realizada em Alta floresta. Qual o peso histórico e cultural que isso tem para a cultura de Alta Floresta e do estado?
Quando iniciamos a produção do Vestígios do Tempo não estávamos preocupados em ser o primeiro a realizar uma grande produção, queríamos apenas fazer um curta, colocar o audiovisual e cinema na lista de ações culturais em Alta Floresta. Mas é claro que Vestígios do Tempo acaba se tornando um marco na produção cinematográfica no norte do Estado. Eu não sei se em algum outro município do interior já foi produzido um curta com quase toda a equipe formada por artistas da cidade, mas tomara que mais e mais cidades e realizadores possam produzir cada vez mais e empregar nossos artistas. Neste curta tivemos artistas de Guarantã do Norte, Colíder, Peixoto de Azevedo, de Chapada dos Guimarães, Cuiabá e Rio de Janeiro. Acho que isso vale muito e certamente irá estimular mais produções e envolvimento de artistas do interior em produções também realizadas na Capital. Espero que Vestígios do Tempo possa servir de incentivo para mais apoios à produção cultural como um todo pelo poder público e a iniciativa privada, pois o Mato Grosso tem muita coisa bonita e interessante para ser mostrada mudo afora.
7-Como foi seu inicio na carreira cinematográfica?
Quando o Teatro Experimental completou 15 anos nós fizemos um Documentário em vídeo e eu auxiliei o Renan Dimuriez, que atua como ator no Vestígios, na direção. Depois, em 2006, na função de gestor municipal de cultural articulei uma oficina de cinema para Alta Floresta juntamente com o Instituto Cultural América, mas eu não pude ser ativo nos trabalhos. Minha aproximação maior se deu em 2007, no I Festival de Cinema na Floresta, quando fiz uma oficina com Amauri Tangará, diretor de vários curtas, dentre eles “Pobre é quem não tem jeep”, “Horizontem”, diretor do primeiro longa-metragem mato-grossense “A oitava cor do arco íris”, um filme lindo, feito com todos o elenco formado por atores mato-grossenses, e também do longa “Ao Sul de Setembro”, um filme maravilhoso e que conta com o Agostinho Bizinoto (membro do Teatro Experimental no elenco principal). Nesta oficina de apenas uma semana acabei roteirizando e dirigindo o curta “Conseqüências”. No ano seguinte, também numa oficina do Tangará realizanda durante o Festival, dirigi o curta “Por um Risco” e agora, em 2009, fizemos o “Vestígios do Tempo”. Costumo dizer que o Agostinho Bizinoto me contaminou com o “bichinho do teatro” e o Amauri Tangará com o “bichinho do cinema”. E tomara que eu possa continuar nessa jornada.
8-Vivemos na era digital, em que as informações são amplamente divulgadas na internet. Em sua opinião qual a importância do cinema na propagação da informação na era digital?
Acho que o cinema é o instrumento que temos para contrapor a baixa qualidade da televisão. E agora com a facilidade de fazer cinema digital (em HD) acho que mais espaços serão conquistados, seja na Internet ou em espaços onde um projetor (datashow) possa ser ligado. O que precisamos é de políticas que estimulem a produção de boa qualidade, não a que foi noticiada recentemente, de canalizar recursos para produções cinematográficas ditas populares e, por consequência, ruim. Como se o público popular não tivesse a capacidade de pensar e tenha que ver coisas com conteúdo desprezível.
10-Que trabalhos culturais você acha que merecem um bom destaque aqui no estado?
Acho que tem muita coisa boa que precisa ser mostrada. Tem bons grupos de teatro, tem a produção de cinema de muita gente bacana, tem muitos músicos bons. Pra mim toda produção cultural que seja feita com responsabilidade e que possa contribuir criticamente e socialmente dever ter destaque.
11-Quais seus planos para o futuro?
Quero muito poder participar de festivais de cinema e mostrar o Vestígios do Tempo, quero saber o que acham do resultado final e poder aprender com isso, pois tenho muita vontade de desenvolver novos projetos, idéias de roteiros e poder filmá-los. A experiência do cinema foi muito legal e quero poder viver novas experiências nesta área.
Já no teatro, tenho quero poder circular mais com nossos espetáculos e montar novos trabalhos, como ator e diretor, junto com os companheiros do Teatro Experimental. Nós temos muitos projetos para o grupo e estamos lutando para torná-los realidade.
Aproveito a oportunidade agradecer e parabenizá-lo, Maico Rodrigo, pelo Blog EixoCult e valorização da produção cultural e artística. Também aproveito para convidar a todos os leitores do blog para conhecerem um pouco mais dos trabalhos no Teatro Experimental de Alta Floresta acessando nosso sitio http://www.teatroexperimental.com.br/ e se cadastrarem em nosso newslleter. E, ainda, para acessarem o blog do Vestígios do Tempo, http://www.curtavestigiosdotempo.blogspot.com/.
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